Ghosting é uma quarta-feira de cinzas
- Valentina Squadroni
- 11 de abr. de 2023
- 4 min de leitura
Atualizado: 13 de abr. de 2023

Pesquiso poesia surrealista, um poeta da década de 60, Roberto Piva. Ele começou a me apresentar sua personalidade assim. Eu já sabia que era modelo, através de seu perfil e que gostava das mesmas festas esquisitas que eu. Fui descobrindo que é escorpiano - minha lua é em escorpião. Que gosta de Arctic Monkeys - minha música favorita é Crying Lightning. Que ministra aulas de escrita criativa - minha pós-graduação.
Desconfiei que era psicopata. Semanas antes vi um TikTok de uma doutora, psiquiatra Ana, que mandava tomar cuidado quando tudo parecia combinar demais, que poderia ser premeditado. Almas gêmeas. Ele me disse que iria morar na Europa - meu sonho desde os 16 anos. Espera aí. Morar na Europa? Sim. Tínhamos apenas 21 dias disponíveis para possíveis encontros casuais. Afinal, o que se poderia esperar de alguém que estaria cruzando o Atlântico no último dia de Carnaval.
Tentei respirar fundo e esquecer das nossas semelhanças e da conexão, de que vale uma conexão por 21 curtos dias?
Vamos nos ver amanhã? E depois de amanhã? Dois dias seguidos será perfeito, disse ele. Vamos beber vinho, dormir juntos, ter conversas profundas e discutir poesia. Quero beijar sua boca, sentir seu corpo e te fazer gozar, baby. Quero segurar nos seus cabelos, entrelaçar nossas pernas e cheirar o seu pescoço.
Eu estava vendida. Não havia tarologa de Instagram, previsão do tempo ou mesmo caso fortuito que me impedisse de passar mais um segundo longe dele. Eu precisava saber se toda aquela história se pagaria no tête-à-tête ou se eram apenas palavras furadas que se assanham para fora da tela no pico do tesão da madrugada.
No dia seguinte, não mandei mensagem. Queria ver o quão sério ele estaria sobre me ver, se ele me desejava à luz do dia também. Se o seu fascínio por mim era o mesmo de ontem. Bom dia, baby, acordei pensando em você. Aquelas palavras eram música para meus ouvidos. Pude jurar que a batida do meu coração tinha mudado. Será que eu estava indo rápido demais? Mas qual seria o motivo da espera? Ele iria embora de todo o jeito, transando comigo ou não. Não senti culpa, apenas desejo.
Você me inspirou ontem, faz tempo que não escrevia, fiquei acordado a madrugada toda pensando na gente. Te escrevi um poema. Você me faz querer escrever como a Ana Cristina Cesar. Esta foi a gota d'água. Eu já poderia me emocionar? Sou pisciana, ninguém avisou ele?
Todas essas palavras, gestos carinhosos. Era isso, eu viveria meu primeiro romance de Carnaval. Aguardei minha vida inteira por esse momento, todos os relacionamentos furados, as conversas jogadas fora, os beijos mal-dados, eu sentia que tudo me guiou a este momento. Era aqui que eu precisava estar e chegar. As estrelas finalmente se alinharam ao meu favor. Minhas manifestações tinham dado certo. Ele tinha chego para mim. Por vinte e um dias, mas seriam os vinte e um dias mais apaixonados que eu viveria.
Finalmente o encontro aconteceu. Ele veio me buscar e fomos juntos para a sua casa. Entrelaçamos nossos dedos no Uber, a preliminar começou quando sua mão acariciava minha coxa e terminou quando ele trancou a porta do quarto. A partir dali, foi puro sexo. Mãos por todo o lado, saliva e gemidos. Toda a experiência foi transformadora, acho que mudou a química do meu cérebro. Eu entendi o que eu precisava, o porque de todos, antes dele, eram completamente ordinários e sem graça.
Orgasmo mental. Era isso, não tinha outra explicação para aquele fenômeno. Enquanto permeávamos pelos assuntos de literatura macabra surrealista e livros deprimentes contemporâneos, pude perceber o que verdadeiramente me deixou tão excitada. Eu não queria apenas seu corpo, queria devorar sua mente, abrir sua cabeça e analisar seu cérebro como uma cirurgiã. Queria seu conhecimento, queria te ouvir falar por horas. Mas assim como todo o Carnaval, chegou a quarta.
Ghosting é uma quarta-feira de Cinzas. Aquilo não é uma mulher, é uma quarta-feira de Cinzas, já dizia Jorge Amado. Tentei encontrar razão por trás do sumiço, do porquê, após aquela noite, preferiu desaparecer sem deixar vestígios.
Não queria acreditar. Ficava tentando pensar em todas as possibilidades nas quais eu poderia ser culpada. Será que eu não gemi o suficiente? Será que ele me achou esquisita? Gorda demais? Falante demais? Emocionada demais? Fui mais uma vítima de um amor descartável. Fogo de palha.
Nada mais do que isso. Fogo de palha. Mas não é isso que eu quero, não quero um meio amor, nem que seja de Carnaval. Quero alguém que me queira por inteiro, que seja presente, que não vá embora. Divaguei sobre o verdadeiro significado de termos nos esbarrado. O que são os relacionamentos atuais, será que nenhum de nós está a salvo? Existem pessoas com o mínimo de decência e responsabilidade afetiva? Bem, não sei. Depois de questionar meu valor, beleza e inteligência, desisti de encontrar motivos para o ghosting repentino e decidi colocar meu sentimento em palavras, era isso não, o verdadeiro significado de ser artista?
Tenho uma visão um pouco triste sobre a vida do artista, seja ele músicos, artistas plásticos ou, como eu, escritores. Nossa interpretação do mundo não é a mesma que das outras pessoas, somos extremamente sensíveis ao mundo exterior, o que torna nossa jornada mais intensa, e por intensa também digo mais dolorosa. Acredito que ao espremer nossas feridas e ver o sangue escapar, é daí que temos que molhar nossas canetas e escrever nossos sintomas. O final será uma linda obra de arte. Será que vale a pena todo esse sofrimento por uma boa obra? Eu acho que sim, mas sou pisciana, gostar de sofrer é um traço da minha personalidade.
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