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De pêssegos destruídos a partituras reinterpretadas

  • Foto do escritor: Valentina Squadroni
    Valentina Squadroni
  • 20 de abr. de 2023
  • 5 min de leitura

Em “Me Chame Pelo Seu Nome”, André Aciman se vale das linguagens do amor para ilustrar as descobertas do sentimento e de si.


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Há momentos dentro de um relacionamento que o maior desejo é ver bem aqueles que amamos, os desejar palavras bonitas, ficar horas os ouvindo falar, trazer flores com cafezinho fresco pela manhã e se adentrar no abraço. Esse aconchego tão particular das relações humanas traz um caráter íntimo e agradável à obra “Me Chame Pelo Seu Nome”, de André Aciman.


Em uma aventura romântica um tanto quanto artiste - leia-se em francês - é criada uma pintura bucólica em noites de verão italianas, onde frutas são colhidas à mão e saboreadas em seu estado natural por aqueles que participam da narrativa. Este, considerado como um romance de formação, retrata com delicadeza o desenvolvimento da sexualidade do personagem principal.


Ao folhear as páginas e entrar nos pensamentos de Elio, na narrativa em primeira pessoa, me vi completamente exposta. Quando li este livro estava passando por um momento de auto-descoberta também, indecisa se gostava ou não de garotas. “Did I want to be like him? Did I want to be him? Or did I just want to have him?” (Eu queria ser como ele? Eu queria ser ele? Ou eu só queria ter ele?). Assim fui preenchida de entendimento e compreensão; naquele momento pensei: “meu Deus é exatamente assim que eu me sinto”. Essa confusão de querer ser o outro ou querer ter o outro para si, traduziu minhas dúvidas naquela época.


O entendimento sobre as cinco linguagens do amor, conceito desenvolvido por Gary Chapman, participa indiretamente da história, onde o autor se vale de demonstrações de afeto do cotidiano, trazendo uma sensação de naturalidade para o que é posto em tela. Essas linguagens podem ser observadas em sutis atos de carinho, por exemplo, com a mãe de Elio lendo o livro Heptameron, por Marguerite de Navarre, para sua família, ou com ela levando, para Oliver, seu café-da-manhã predileto. Até mesmo quando o Elio entrega à Marzia uma cópia de um de seus livros favoritos. E a forma como este, ao saber que Oliver tem dificuldade em quebrar o ovo pochet, ele o faz, pois não quer que seu amado coma seu ovo com as cascas.


“At breakfast, I couldn’t believe what seized me, but I found myself cutting the top of his soft-boiled egg before Mafalda intervened or before he had smashed it with his spoon. I had never done this for anyone else in my life, and yet here I was, making certain that not a speck of the shell fell into his egg. He was happy with his egg. When Mafalda brought him his daily polpo, I was happy for him. Domestic bliss.” (Durante o café-da-manhã, mal pude acreditar no que se apoderou de mim, quando dei por conta estava cortando a ponta do seu ovo quente antes que a Mafalda pudesse intervir ou antes dele o ter esmagado com a colher. Eu nunca tinha feito isso por ninguém em minha vida, mas aqui estava eu, certificando-me de que nenhuma partícula da casca caísse em seu ovo. Ele estava feliz com seu ovo. Quando a Mafalda lhe trouxe o seu polpo diário, fiquei feliz por ele. Êxtase doméstica.)


A raiz do descobrimento da sexualidade, o que faz alguém se interessar por outra pessoa é um tema recorrente em obras de ficção, tanto em filmes, séries quanto em livros. O que é interessante pensar: será que o mundo exterior pode ter alguma influência nas nossas descobertas interiores? Não me refiro a “um beijo homoafetivo na novela irá tornar meu filho gay”, mas talvez, que pais menos conservadores, como os de Elio, podem trazer tranquilidade e espaço para que os filhos se descubram sexualmente. Essa liberdade entregue pelos pais do protagonista é um tanto quanto invejável, mesmo não sendo mãe acredito que talvez tenha, como primeiro instinto, o de proteger minhas crias, e ao contrário do que eu faria, eles deram abertura para ele se relacionar dentro de sua própria casa, sem o impedir de ter seu coração partido, já que a volta de Oliver à Nova York era iminente.


A fluidez da sexualidade traz questionamentos complexos. Seria provável alguém que tem interesse em ambos os sexos se ver compulsóriamente hétero por influência externa, como a possível intromição de pais tradicionalistas, mídias pouco diversas e a falta de pessoas ao redor que o compreendem e compartilham das mesmas angústias e anseios?


Há possibilidade, ainda, de se fazer um paralelo com o livro “Uma Vida Pequena”, de Hanya Yanagihara, onde Jude é privado do seu direito de descoberta da sua sexualidade. Embora ele tenha tido um romance homoafetivo, ele foi destituído, desde sua infância, de entender sobre seu corpo e formar uma opinião sobre sua orientação sexual. É plausível de se imaginar que há uma certa conotação assexual em Jude advinda de feridas e traumas passados. Ou seja, uma influência externa que teria criado um impacto em sua sexualidade. Caso ele não tivesse enraizado dentro de sua própria mente, não tratada, que ele é inútil e que deveria sempre retornar aos mesmos padrões prejudiciais e autodepreciativos, ele poderia não ter se envolvido com outros homens. Será que se ele tivesse uma infância saudável e sem traumas ele teria tomado a decisão de se relacionar com outro homem? Pode ser que sim. Pode ser que não. Será que ele odiaria qualquer associação ao ato sexual? Pode ser que sim. Pode ser que não.


Elio não teve o mesmo passado conturbado de Jude. Sua vivência sexual durante o verão é narrada com leveza, livre de estereótipos, como aqueles de pais carrascos que não o aceitam ou a tentativa de se esconder de tudo e todos, mesmo que o livro se passe em um período no qual era tido como tabu o relacionamento entre dois homens. Em meu subconsciente desejei ter os pais de Elio, que me encorajassem a amar, me encontrar e não tentar esconder meus sentimentos, não esconder meu afeto ou minha tristeza. Me deixar viver.


Um momento onde me vejo, novamente, compreendida por Elio, é quando o próprio tenta negar seus sentimentos, sua mente é sua maior crítica, não somente em questão afetiva, mas em relação a sua inteligência, sua arte e das partituras que reinterpreta também, a famosa síndrome do impostor, que o faz duvidar a todo momento de quem ele é e se é amado. Mas a jornada da descoberta é assim, traz conflitos, dúvidas, tentativas de compreensão, tanto do outro quanto de si mesmo.


Em suma, o livro pode ser lido por qualquer um que tenha ou queira se conectar com uma jovem alma em busca de si e de amor durante um verão ao norte da Itália.



Aciman, André. Me Chame Pelo Seu Nome. 2017 by Atlantic Books.



 
 
 

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